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corpo paisagisante

CORPO PAISAGISANTE

A partir das paisagens fotografadas pelo meu pai, em diapositivo (slide), as pinturas da série corpo paisagisante buscam a transposição daquelas imagens-luz que se projetam na superfície da memória de minha infância e as atualizam em materialidade pictórica, compondo um corpo que se paisagisa e ocupa espectralmente a paisagem originalmente fotografada. Esse corpo sempre esteve (e ainda está) presente virtualmente na paisagem registada em slide e ele pode se apresentar por diferentes formas ao atualizar a sua visibilidade.
Barcos, casas, rochedos e tantas outras possibilidades para dar visibilidade em uma pintura à um corpo paisagisante. São formas para expressar a força da passagem flutuante de um corpo-barco sem rumo certo; a imobilidade de uma corpo-casa que sofre em suas estruturas com a passagem do tempo; a solidez de um corpo-rochedo que impercetivelmente modifica-se pelo intemperismo. São todos um só corpo de uma vida que se paisagisa a cada vez.
Em cada pintura, esse corpo ganha diversas superfícies paisagisadas na composição entre a imagem fotografada e os atravessamentos que sua transparência permite, atualizando a imagem por um jogo de sobreposições onde “passado” e “presente” confundem-se e tornam-se um só corpo. Essa nova materialidade que a imagem produz, não é finita e nem decisiva – é vulnerável e aberta, transmuta-se nos acontecimentos de uma intervenção externa, de um desejo intrínseco ou na combinação de ambos.
Há corpos que reprimem a suscetibilidade diante das forças que lhes indicam modificações, a ponto de se blindarem e formarem uma opacidade plana e sem contrastes, num estado de conservação, num esforço para se manterem encerrados nas conhecidas paisagens. Há outros que quando se liberam para paisagisarem-se a partir de outras possíveis configurações, permitem-se ser irrupções, brechas, rachaduras, aberturas por onde algo passa a escapar e cria uma forma singular ainda por vir, um devir outro, imagem-corpo que só se faz visível fora do conhecido - feitio de imagem criada do dentro, mas como paisagem que só se faz visível sob perspetiva que o transpassa. O ato de re-paisagisar um corpo é seguir o rastro eruptivo, a linha de fuga, a orientação que nos faz perceber a potência dos escapes, tornando-nos corpos paisagisantes singulares e ao mesmo tempo plurais.

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